O fenômeno placebo-nocebo na medicina

O fenômeno placebo-nocebo na medicina

O sucesso do tratamento varia conforme o paciente e envolve mecanismos psíquicos, neurológicos e fisiológicos

David Goehring / Flickr: CarbonNYC [in SF!] /CC BY 2.0

Um aspecto do placebo-nocebo é a expectativa consciente dos pacientes sobre sua melhora de saúde

Apesar de o efeito placebo (nocebo) ser desacreditado por muitas pessoas, ele é uma realidade observada em toda prática terapêutica, pois seus mecanismos psiconeurofisiológicos são estudados e descritos na literatura médica. Por ter relação uma intrínseca ao cuidado médico, ele deveria ser conhecido por todos os colegas que se dedicam à prática e à pesquisa clínica. Assim, eu e alguns pesquisadores nos aprofundamos no estudo desse fenômeno1,2,3,5 e reproduzimos a seguir uma síntese de seus aspectos fundamentais publicados na revista ComCiência4

Em qualquer tratamento farmacológico, os efeitos terapêuticos se relacionam com dois tipos de fatores: os específicos (dose, duração, via de administração, farmacodinâmica, farmacocinética, interações medicamentosas etc.) e os não específicos (história e evolução natural da doença, regressão à média, aspectos socioambientais, variabilidade inter e intra-individual, desejo de melhora, expectativas e crenças no tratamento, relação médico-paciente, características não farmacológicas do medicamento etc.). O fenômeno placebo-nocebo faz parte desses últimos e é atribuído à expectativa, ou desejo, de melhora associado à relação médico-paciente, aspecto mais importante segundo as pesquisas recentes.

Os termos placebo e nocebo vem do latim. O primeiro origina-se de “placeo”, “placere”, que significaagradar, enquanto o segundo, “noce”, “nocere”, refere-se a infligir dano. De forma generalizada, entende-se o efeito ou resposta placebo como a melhoria dos sintomas e/ou funções fisiológicas do organismo em resposta a fatores supostamente não específicos e aparentemente inertes (sugestão verbal ou visual, comprimidos sem princípio ativo, injeção de soro fisiológico, cirurgia fictícia etc.) com atribuição ao simbolismo que o tratamento exerce na esperança de cura do paciente. O efeito noceboé o oposto: a expectativa por um resultado negativo pode conduzir ao agravamento de um sintoma ou doença. Exemplos naturais de efeito nocebo são observados no impacto de diagnósticos negativos e na desconfiança do paciente pela equipe médica ou por algum tipo tratamento, com seus mecanismos psiconeurofisiológicos estudados de forma análoga ao efeito placebo.

Com a introdução sistemática dos ensaios clínicos placebos-controlados, considerados padrão-ouro para avaliar a eficácia dos tratamentos, relatos frequentes de mudanças clínicas significativas nos grupos placebo demonstraram que a intervenção placebo pode causar efeitos consideráveis em diversas condições clínicas. Revisões sistemáticas de ensaios clínicos placebos-controlados evidenciaram a resposta placebo (percentual de melhora) em diversas doenças, como em doença de Crohn (19%), síndrome da fadiga crônica (20%), síndrome do intestino irritável (40%), colite ulcerativa (27%), depressão maior (30%), mania (31%), enxaqueca (21%), entre outras.

Os diversos fatores envolvidos na relação entre médico-paciente que influenciam a expectativa do paciente por uma melhora ou piora, desde o acolhimento até as declarações específicas feitas pelo terapeuta, podem desencadear efeitos significativos no desfecho de qualquer tratamento, seja ele farmacológico ou não, com alteração na atividade de determinadas regiões cerebrais e na liberação de neurotransmissores específicos.

Mecanismos psicoindutores do fenômeno placebo-nocebo

Entre os mecanismos psicoindutores do efeito placebo, o condicionamento inconsciente tem relação com a resposta placebo, que surge após a exposição repetida do indivíduo às associações de sugestões sensoriais neurais (características do comprimido, tipo de terapêutica, ambiente do consultório etc.) com intervenções de tratamento efetivas (resposta placebo/analgésica observada após a indicação de comprimidos inertes semelhantes aos efeitos da morfina administrada previamente). Segundo um paradigma estritamente behaviorista (pavloviano), as sugestões sensoriais neurais podem extrair de forma automática e isolada, após a intervenção placebo, uma resposta semelhante ao tratamento efetivo. Desse modo, o condicionamento inconsciente estaria relacionado ao fato de que os pacientes, pela percepção visceral ou somática, são capazes de monitorar rapidamente as flutuações no estado dos órgãos internos (feedback sensorial), com resposta placebo proporcional ao grau de abrangência de tal percepção. De forma semelhante, o efeito nocebo seria consequência do condicionamento inconsciente prévio por experiências negativas, como pacientes sensíveis ao perfume de flores manifestarem sintomas alérgicos quando expostos a flores artificiais.

Outro importante mecanismo psicoindutor do fenômeno placebo-nocebo é a expectativa conscientedos pacientes nas perspectivas de melhora ou piora clínicas, a qual pode ser incrementada pelas sugestões verbais que acompanham o tratamento. Um modelo experimental tem avaliado o impacto clínico das expectativas positiva e negativa isoladamente, revelando ou ocultando ao paciente a administração ou a suspensão do tratamento melhor indicado (open-hidden paradigm). Nesse contexto, estudos evidenciam que um mesmo tratamento mostra-se mais efetivo quando é revelado(open) do que quando é ocultado (hidden) ao paciente, indicação de que a expectativa positiva desempenha um papel crucial na resposta terapêutica (efeito placebo).

Se considerarmos que o desfecho clínico secundário a um tratamento não revelado (hidden)representa o efeito específico do tratamento em si, livre de qualquer contaminação psicológica, o resultado de um tratamento revelado (open) representa a somatória dos efeitos específicos e não específicos. A diferença entre essas abordagens é o componente placebo, embora nenhum placebo tenha sido administrado. De forma análoga, a expectativa negativa é avaliada com a revelação ou a ocultação da suspensão do tratamento indicado, mostrando que o grupo que sabia da interrupção apresentou piora dos sintomas (efeito nocebo) de forma mais intensa e antecipada do que o outro grupo. Apesar dos defensores de um ou outro mecanismo, o condicionamento inconsciente e aexpectativa consciente se complementam a se amplificam na modulação placebo-nocebo.

Mecanismos psiconeurofisiológicos do fenômeno placebo-nocebo

Existem estudos que descrevem os mecanismos psiconeurofisiológicos envolvidos no processo placebo-nocebo ao mapear áreas cerebrais responsáveis pelo fenômeno por meio de tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância nuclear magnética funcional (RNMf). A resposta placebo/analgésica tem como mediadores os endorfinas (peptídeos opioides endógenos), que atuam nos sítios dos receptores da morfina (opioides exógenos) distribuídos em regiões cerebrais específicas, como o tronco encefálico, o tálamo e a medula espinhal. Nos mecanismos moduladores da analgesia placebo observa-se que a melhora da dor (expectativa positiva) estimula o córtex pré-frontal (dorsolateral, medial e orbitofrontal) e o sistema opióide do tronco encefálico, áreas responsáveis pela modulação da dor emocional.

Em relação ao efeito nocebo hiperálgico, a percepção da intensidade do estímulo doloroso é amplificada após uma piora da dor (expectativa negativa), com aumento na atividade de diversas regiões cerebrais (córtex pré-frontal orbitofrontal, córtex cingulado anterior e córtex insular anterior). Sugestões verbais negativas induzem ansiedade antecipatória sobre o provável aumento da dor (hiperalgesia nocebo), o que ativa o sistema colecistoquinérgico facilitador da transmissão dolorosa e diminui a atividade dos opioides endógenos.

Em resposta às injeções placebo de solução salina em pacientes portadores de doença de Parkinson, estudos demonstram a liberação de quantidades significativas de dopamina endógena no estriado dorsal, com melhoras clínicas evidentes. Observa-se também que a expectativa positiva relacionada à antecipação do benefício terapêutico e acompanhada pela liberação da dopamina pode ser um fenômeno comum ao efeito placebo em qualquer distúrbio clínico placebo-responsivo.

Em casos de depressão, a resposta placebo apresenta um padrão metabólico similar ao dos antidepressivos (fluoxetina, por exemplo), o que é evidenciado no aumento da liberação do neurotransmissor serotonina no córtex pré-frontal, cíngulo anterior, córtex parietal, ínsula posterior e cíngulo posterior, além da diminuição de sua metabolização no cíngulo subgenual, para-hipocampo e tálamo. De forma análoga aos fenômenos dolorosos, a expectativa negativa desperta o efeito nocebo, o que piora a evolução clínica da doença de Parkinson e da depressão. Em todos os exemplos citados, o condicionamento inconsciente amplifica as respostas placebo e nocebo.

No entanto, pelos resultados apresentados, não temos como generalizar uma suposta especificidade e magnitude do fenômeno placebo-nocebo. Os efeitos da intervenção placebo-nocebo diferem-se caso a caso e envolvem diferentes mecanismos psiconeurofisiológicos e respectivas áreas cerebrais conforme sensibilidade individual, tipo de sintoma ou doença, informação transmitida ao paciente, expectativa (associada ou não à sugestão verbal), experiências prévias do paciente com as diversas situações e tratamentos (condicionamento inconsciente).

Referências

1. TEIXEIRA, M. Z. Ensaio clínico quali-quantitativo para avaliar a eficácia e a efetividade do tratamento homeopático individualizado na rinite alérgica perene. 2009. Tese. (Doutorado em Medicina). Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo 2009.

2. ______. Bases psiconeurofisiológicas do fenômeno placebo-nocebo: evidências científicas que valorizam a humanização da relação médico-paciente. AMB rev. Assoc. Med. Bras., v. 55, n. 1, p. 13-18, 2009.

3. TEIXEIRA M. Z.; GUEDES, C. H.; BARRETO, P. V. et al. The placebo effect and homeopathy.Homeopathy, v. 99, n. 2, p. 119-129, 2010.

4. TEIXEIRA, M. Z. Fenômeno placebo-nocebo: evidências psiconeurofisiológicas. ComCiência[online], n. 153, p. 1-4, 2013.

5. TEIXEIRA, M. Z.; GUEDES, C. H. F. F.; BARRETO, P. V. et al. El efecto placebo y la homeopatía.Rev. med. homeopat., v. 7, n. 3, p. 119-130, 2014.