Homeopatia: funciona ou não?

Homeopatia: funciona ou não?

Artigo publicado na Folha de S.Paulo contesta a validade de um tratamento oferecido a milhares de pessoas no Brasil e no mundo

Shutterstock

A homeopatia é reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 1980

Não é de hoje que a homeopatia é alvo de ataques por parte da mídia e de profissionais de outras especialidades médicas. Seus métodos pouco ortodoxos, baseados na diluição e dinamização de princípios ativos, além da carência de estudos científicos amplos e rigorosos frequentemente colocam a terapia na linha de tiro dos chamados mythbusters ou “caçadores de mitos”: será que ela funciona mesmo ou não passa de charlatanismo?

No último domingo, a Folha de S.Paulo publicou um artigo deHélio Schwartsman1 detonando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), do Governo Federal, com ataques específicos à homeopatia, acupuntura e à utilização de vitaminas no tratamento de doenças. No caso da homeopatia, o articulista atribuiu seus resultados ao efeito placebo e destacou uma metanálise publicada em 2005 pela revista britânica Lancet que reavaliou 110 testes clínicos e concluiu que não havia diferenças significativas entre os remédios homeopáticos e o placebo.

Em nenhum momentoo articulista considerou a opinião das pessoas que fazem o tratamento. Parece ficar subentendido no texto que os milhares de indivíduos que utilizam a homeopatia estão sendo enganados pelos médicos, pois estariam apenas tomando placebo. Porém, há trabalhos que apontam o contrário. Um exemplo disso é a utilização com sucessodahomeopatiano combate à dengue em Macaé, no Rio de Janeiro.A cidade foi palco de distribuição gratuita de 156 mil doses preventivas de um remédio homeopático para a população.

Esse trabalho ocorreu entre abril e maio de 2007. O remédio, criado pelo médico homeopata e professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto, Renan Marino, teria ajudado a diminuir a incidência da doença no primeiro trimestre de 2008, a qual caiu 93% em comparação com o período correspondente ao ano anterior. Enquanto isso, no resto do Estado do Rio de Janeiro houve um aumento de 128% dos casos de dengue. Não seria esse trabalho um motivo suficiente para olharmos a homeopatia de maneira menos dogmática? Para o colunista da Folha não. Segundo ele, após o estudo de 2005 da Lancet, tudo que for feito na área da homeopatia deve ser desconsiderado, pois não há mais nada a ser debatido. O Portal NAMU falou com alguns médicos para saber o que esses profissionais da saúde pensam sobre o artigo.

Aceitação popular

A opinião de Schwartsman foi muito contestada por especialistas da área. Para Ariovaldo Ribeiro Filho, presidente da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), é absurdo afirmar que a homeopatia não passa um placebo. “Ninguém fica muito tempo enganando muita gente, a homeopatia existe há mais de 200 anos”, defende o médico.

É o que pensa também o médico Sérgio Furuta, presidente da Associação Paulista de Homeopatia. “No Brasil, a homeopatia é uma especialidade médica, então como médicos, nós sabemos até onde nós podemos tratar com homeopatia e a partir de onde o paciente deve ser tratado pela medicina convencional. Nenhum homeopata é maluco de ficar postergando um tratamento de câncer, por exemplo, prometendo que pode ser curado com homeopatia”, afirma. Na visão domédico Fernando Bignardi, coordenador do Centro de Estudos do Envelhecimento do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),o modelo de pesquisa precisa ser adaptado ao fenômeno homeopático. “A homeopatia é uma terapêutica informacional, compreensível a luz da atitude acadêmica transdisciplinar, que reconhece a complexidade dos fenômenos e a multidimensionalidade da realidade. A informação da preparação ultradiluída do medicamento homeopático precisa ser compreendida como um organismo vivo, na sua dimensão vital, para que o resultado terapêutico seja alcançado”, explica.

O fim do debate?

No artigo da Folha, a metanálise publicada em 2005 pela revista Lancet é apresentada como conclusiva. Segundo o articulista, após esse estudo teria se tornado evidente que a homeopatia não funciona e ponto final. Essa maneira de tratar a informação, no entanto, é vista como uma aberração por Romeu Carillo Jr., presidente da ABRAH (Associação Brasileira de Reciclagem e Assistência em Homeopatia) e chefe da Clínica de Homeopatia do Hospital do Servidor Público Municipal.

“A ciência não foi criada para comprovar coisa nenhuma, o que ela diz que é certo hoje, diz que é errado amanhã, volta atrás de novo e de novo. A ciência ‘provou’ que a Terra era o centro do Universo, depois que era o Sol, depois que era a Via Láctea. Vivemos em um momento em que a ciência passou a ser vista como um oráculo, mas ela é basicamente pergunta, e não resposta”, afirma ele, lembrando ainda do exemplo da divergência entre Röntgen e J.J. Thomson sobre o modelo atômico. “Primeiro a ciência provou que não existia carga elétrica no raio catódico e dois anos depois, provou que existia”.

“O serviço de homeopatia funciona no Hospital do Servidor Público há 32 anos, uma clínica que atende pacientes todos os dias, da dermato, pneumo, odonto, todas as clínicas. Você acha que se isso fosse uma quimera estaria funcionando há tanto tempo? Eu dou aula na Universidade Federal Fluminense (UFF), tenho um trabalho de pesquisa na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Se nós não tivéssemos resultados, você acha que isso ia acontecer?”, questiona Carillo, que promove anualmente o Congresso Nacional da ABRAH, em que dezenas de trabalhos científicos são apresentados.

A metanálise da Lancet

Marcus Zulian Teixeira, médico homeopata e professor da Universidade de São Paulo (USP), conta que o estudo de 2005 tem problemas gravíssimos, que já foram inclusive alvo de dezenas de artigos contestando os métodos utilizados. “Essa metanálise foi uma tentativa de desbancar o material publicado pela mesma Lancet em 1997, que analisou mais de cem artigos e mostrou que a homeopatia era 2.45 vezes mais eficaz que o placebo. Foi um grande furor no meio científico”, conta.

Em 2005, um grupo liderado pelo chinês Shang se propôs a fazer uma nova metanálise comparando os resultados de 110 ensaios homeopáticos com outros 110 alopáticos. Ambos demonstraram números superiores ao placebo. No entanto, segundo Teixeira, foi adotada uma metodologia diferente da proposta inicial para comparar diretamente homeopatia e alopatia, o que desvirtuou completamente os resultados.

“Na homeopatia existe um pressuposto chamado individualização. Dez pacientes com o mesmo tipo de doença podem receber remédios diferentes uns dos outros. A individualização homeopática valoriza a totalidade do indivíduo, então você escolhe um remédio específico para cada indivíduo.Você não dá o mesmo remédio para todo mundo que tem a mesma doença, como a alopatia faz. Isso é uma premissa do modelo homeopático. Se você não leva isso em consideração, comete um grande erro epistemológico. Esses estudos com grande número de pacientes que estão na literatura, que foram feitos por alopatas pouco esclarecidos, não levam tais fatores em consideração”, explica o médico.